5 de out. de 2011

Homens e orixás em um corpo e em um só coração




Há milhares de anos, o céu e a Terra não tinham separação. Em Yorubá, o Orum, o céu dos orixás, e o Aiê, a terra dos humanos, eram uma esfera única, onde ambos partilhavam aventuras e experiências.
Conta o itãn (história) que as mãos sujas de um dos humanos tocou o Orun, e o céu se tornou desonrado, as cores se perderam e o branco purificado de Obatalá desapareceu.

Oxalá, indignado com o ocorrido, foi procurar Olorum, o Deus Supremo, conhecido como o Senhor do Céu. Irritado com a falta de zelo e com a sujeira dos seres humanos, Olorum deu seu sopro divino e, com isso, separou o céu da Terra. Sendo assim, a vida passou a ser separada e sendo vivida, pelos dois lados, com muitas saudades. Mas, a partir daquele momento, nenhum ser humano ousaria ir ao Orum e retornar com vida. Olorum acabara de criar o mundo dos homens e o mundo dos orixás.

Com o passar do tempo, os orixás foram se entristecendo, sentindo muitas saudades da vida misturada, alegre e aventureira que viviam com os humanos, e resolveram procurar Oludumare, que, por muita insistência, acabou cedendo. Então, vez ou outra, os orixás poderiam visitar o Aiê. Mas, para que isso acontecesse, deveriam tomar o corpo dos seres humanos. Essa foi uma das condições imposta por Olodumare.

A primeira a entrar na fila para a tão esperada visita foi Oxum. Ela adorava visitar as mulheres, pois ensinava e aprendia muito com elas. A troca de experiências era uma coisa inexplicável, assim como a adoração das mulheres pela yabá, sua vaidade, sua beleza e seu encanto. Com tamanha popularidade, Oxum ganhou o cargo de preparar os seres humanos para receberem em seus corpos os orixás, para que as visitas pudessem ser mais contínuas.

Para começar a empreitada, Oxum fez oferendas a Exu, a fim de que sua missão tivesse total sucesso. E, para obter destaque, ela dependia da alegria dos demais orixás. Pois, então, foi enviada ao Aiê e logo organizou uma reunião com as mulheres, em que tudo se iniciou para o tão esperado preparo.

Após separar e organizar minuciosamente os elementos da natureza que seriam usados, Oxum começou a iniciação: banhou-as com ervas sagradas de Ossaim, cortou seus cabelos, raspou suas cabeças, as pintou com pintinhas brancas - iguais as da galinha d’angola - e decorou seus corpos com pinturas. Adornou a cabeça (ori) com uma única pena de ecodidé (pena vermelha do papagaio da costa, um sagrado e conceituado símbolo). E, ao centro da cabeça, um preparo sagrado de banha de ori, obi, ervas masseradas e outros condimentos que atraiam os orixás. Esse oxo atrairia o orixá ao ori da iniciada, e o orixá não tinha como se perder com seu retorno ao Aiê.

Para vesti-las, usou panos brancos com bonitos laços, enfeitou-as com joias e indés dourados. Nas mãos, as fez levar abebés, muitas contas coloridas no pescoço, búzios e corais. Elas estavam deslumbrantes. Além de lindas, agora, essas mulheres estavam feitas, estavam prontas para receber os orixás. Receberam o nome de yaô. As yaôs eram, para Oxum, uma espécie de obra-prima.

A partir daí, os seres humanos ofereciam oferendas aos orixás, os convidando para ir à Terra através dos corpos das iaôs. Isso se tornava uma grande e comemorativa festa, em que homens tocavam os tambores, batás, os agogôs e os xequerês, cantavam e louvavam a visita dos orixás, convidando a todos os iniciados para a roda de xirê. Assim, os orixás dançavam e podiam vivenciar o passado, quando homens e deuses viviam juntos. Tudo em um só corpo e em um só coração.

Com as bênçãos de Olorum e de Olodumare, estava-se ali inventando o Candomblé.


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Mãe Ignez D’Iansã é yalorixá do Ilê Axé D’Ogun-Já, coordenadora de Projetos do Centro de Integração da Cultura Afro- Brasileira (Ciafro) e membro da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR ).
Texto inspirado na leitura do livro “Mitologia dos Orixás”, de Reginaldo Prandi

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